Os Primeiros Deslocamentos
Desde tempos imemoriais, quando começamos a colocar um pé diante do outro, buscamos instintivamente nos deslocar.
Antes, quando nômades, caminhávamos para encontrar abrigo e alimento. Mais tarde, com o sedentarismo, deslocávamo-nos para proteger territórios.
Nesse período, guerreiros e “sacerdotes” (xamãs) iniciaram as primeiras viagens, encontrando-se com tribos vizinhas para trocar experiências de cura, por exemplo, ou barganhar pequenos objetos.
Por volta de 4000 a.C., com o surgimento da escrita, relatos orais começaram a ser registrados, e, com o tempo, epopeias míticas foram escritas contando as aventuras e desventuras de grandes heróis como Ulisses, na Odisseia de Homero.
Outras obras como Ilíada (Homero) e Eneida de Virgílio, descreveram as transformações pessoais vivenciadas por estes personagens durante longas e fantásticas viagens.
O ato de viajar, portanto, é um elemento desejável do imaginário humano. A busca pelo desconhecido e a curiosidade, encheu-nos de coragem e lançou-nos aos sete mares.
O Pré-Turismo
Na antiga Roma do século II a. C., os balneários tornaram-se destinos importantes de intensa vida social. Lá, podia-se encontrar desde um lugar para tomar um banho quente, ver obras de arte, comer, fazer compras, ginástica e trilhas até alugar livros.
No período da Idade Média, viajar não teve uma conotação muito entusiástica, pois as pessoas ficavam geograficamente isoladas nos feudos, e, com a ascensão do Cristianismo, qualquer prática desvinculada da religião, do trabalho e da família eram condenáveis e desencorajadas.
As exceções foram as viagens de conquistas, as expedições comerciais e as Cruzadas - expedições religiosas e militares, ocorridas entre os séculos XI e XIII, que visavam retomar para os cristãos a Terra Santa. Nessas viagens ocorreram trocas mercantis, ideológicas e culturais.
As peregrinações da Era Medieval não eram consideradas propriamente viagens, pois, o peregrino não escolhia o itinerário, tampouco a duração do périplo.
Mas adiante, nos séculos XVI e XVII, e sob a influência do Renascimento, houve uma revalorização do ato de viajar, principalmente com a expansão marítima e o início da era de colonização em escala global.
As grandes cidades urbanas começaram a surgir, e com isso, a ideia de viajar como prática de ampliação da cultura e do conhecimento, também era encorajada.
Um exemplo disso, foi o chamado Grand Tour , uma viagem feita pelos filhos da aristocracia - desde o séc. XIV - que consistia em passar alguns meses ou anos sob a guarda de um tutor, que guiava o jovem em uma imersão de conhecimento exterior e interior - uma espécie de rito de passagem educacional.
Esta prática permaneceu até o surgimento do tráfego ferroviário em grande escala, em meados de 1840, e depois, com os navios à vapor que facilitaram os deslocamentos em diversas partes pelo mundo.
O Turismo Moderno
A partir da Revolução Industrial no séc. XVIII até meados da segunda metade do séc. XIX, consolidou-se o processo de padronização, mercantilização e massificação do trabalho, bem como, o controle institucional do tempo.
Todas essas características, somadas ao incremento dos meios de transporte, fortaleceram a disseminação do turismo, tornando o ato de viajar uma experiência mais coletiva.
É nesta época que figuras como o inglês Thomas Cook - considerado o primeiro agente de viagem - estabeleceu parâmetros que serviram de base para o turismo moderno, e que influenciaram a experiência de viajar até os dias de hoje.
Um exemplo disso, eram os pacotes turísticos com destino conhecidos, muitas vezes, restritos e inspirados nas viagens da então aristocracia do período.
A ideia, portanto, de padronizar a viagem, apenas refletiu o momento histórico daquela época, no qual, praticamente tudo, transformou-se em um setor de atividade econômica; e o turismo não foi uma exceção.
Ao contrário, o rápido crescimento das cidades e os meios de locomoção cada vez mais ágeis, tornaram o ato de viajar um negócio promissor.
O Turismo de Massa
Entre os anos de 1900 a 1949, houve um período de transição alternando crescimento e interrupção do fluxo turístico, por conta das duas Guerras Mundiais. Contudo, apesar dos conflitos, consolidou-se nessa época o transporte aéreo e rodoviário.
A partir da década de 50 a meados de 1973, o turismo, já estabelecido como atividade econômica, cresceu ainda mais, tornando-se um Turismo de Massa, isto é, alcançando um número maior de pessoas, e tendo como característica básica, a padronização.
O caráter rígido - padronizado - no modo de viajar massificado, pode ser entendido de diversas maneiras.
Alguns autores destacam as seguinte características como Turismo de Massa:
1. Viagens com estrutura de visitação pautada em voos charter (voos fretados com grupos fechados);
2. Sistema all-inclusive (modelo de pacotes turísticos tudo-incluso);
3. Hospedagem em resorts (hospedagem fechada, em que, a pessoa não fica estimulada a sair do hotel);
4. Excursões e roteiros programados de forma detalhada, com imposição de horários;
5. E outros exemplos relacionados à padronização e industrialização das experiências de viagens.
Todas essas formas de fazer turismo citadas acima, foram culturalmente padronizadas durante anos, e refletiam o pensamento e a economia de uma época.
Era comum - ou ainda é - copiar um modelo de turismo inspirado em outros países, seguindo, muitas vezes, apenas o aspecto financeiro do negócio, negligenciando aspectos importantes da viagem como, por exemplo, o que as pessoas, realmente, gostariam de fazer ou conhecer em um determinado lugar.
Essa padronização, que atropela o ritmo e desejo individual e desdenha do potencial turístico das pequenas e (ainda) desconhecidas cidades, são questões discutidas há muito tempo no âmbito da pesquisa acadêmica do turismo, e engloba várias áreas do conhecimento como, antropologia, sociologia, economia, psicologia, filosofia, etc.
O Pós-Turismo
A partir dos anos 1974 a 2005, com o aumento da tecnologia em diversas áreas, e um sistema de transporte totalmente globalizado, debates como, por exemplo, sustentabilidade, entraram no campo do turismo.
No século XX, a discussão sobre como viajamos, seus impactos no planeta e na vida social, bem como, a crítica da aceleração da vida cotidiana, começaram a surgir dando origem a alguns movimentos contestatórios.
Alguns deles foram os movimentos Slow Food, Cittàslow e Slow Movement, que desdobraram-se e inspiraram o surgimento do chamado Slow Travel.
O Movimento Slow Travel é uma entre outras diversas iniciativas que ousaram questionar o sistema tradicional, em prol da autonomia dos indivíduos e a qualidade das viagens, propondo uma nova relação do turista com o lugar visitado, tornando-o parte da comunidade local, e não um mero espectador sazonal e passivo.
Diante deste percurso histórico, podemos concluir que viajar envolve vários aspectos da vida que vão muito além do simples lazer.
A maneira como construímos o mundo, moldou nossa forma de estar nele e influenciou nosso comportamento no trabalho, na família, na sociedade e nos momentos de relaxamento.
Nesse sentido, fica claro que, para entendermos - como e por que viajamos do jeito que viajamos - precisamos analisar o tema sob vários pontos de vista.
Viajar, portanto, não é apenas escolher um destino, é também, reservar um tempo para reconectarmo-nos, e refletirmos sobre quais caminhos estamos direcionando nossa vida e o mundo que habitamos.
📝 PRINCIPAIS REFERÊNCIAS DO POST *:
Universidade de São Paulo - USP
Universidade de Caxias do Sul - UCS
Pontifícia Universidade Católica - RS
🐌 GUIA BÁSICO DO SLOW TRAVEL:
*Nota: Texto 100% original embasado em pesquisas.
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