Relato de uma Viajante Mulher Latino-Americana
- Fernanda Paula
- 8 de ago. de 2022
- 5 min de leitura
Atualizado: 6 de nov. de 2024

Em março de 2022, saí do Brasil com a intenção de encontrar algum lugar no mundo em que eu pudesse chamar de "meu".
Além disso, desejava espairecer meus pensamentos e purgar do meu corpo esses dois anos de atrocidades inomináveis, obscurantismo e a ascensão de uma "nova cultura da boçalidade"- um filme de terror sem precedentes na história do país - com toda a certeza do universo!
Parti com uma mochila velha de guerra e uma bagagem de mão - o que se mostrou um excesso, mesmo acreditando que estava sendo extremamente minimalista. Carreguei por meses um peso desnecessário, na ilusão de que aqueles objetos seriam essenciais para minha sobrevivência ou conforto. Aprendizado número um: menos sempre é mais!
Comecei a jornada por Lisboa e segui para algumas cidades no entorno da capital; depois desci até o sul e voltei subindo para o norte de Portugal, onde segui então para a Itália.
Chegando lá - no país da bota - iniciei a jornada por Torino, na Lombardia, atravessei a região da Ligúria, e fui descendo até a Puglia, no extremo sul da península italiana. Ao final, subi em direção ao norte, imaginando então que Firenze talvez seria um bom lugar para parar e ficar por mais tempo.
Mas, nem tudo ocorreu como esperado, e voltei para o Brasil em junho de 2022, após quase três meses viajando.

Viajar: Um Chamado
Desde o início, meu olhar não era de uma simples turista. Tinha a intenção de imigrar, então tentava prestar mais atenção aos detalhes do dia-a-dia das pessoas: suas rotinas, suas dificuldades, seus momentos de lazer, etc.
Caminhava por bairros pouco visitados, pelas periferias; observando e frequentando lugares nos quais "os locais" frequentavam. Queria entender um pouco como aquela cultura funcionava - e se, claro, me adaptaria a ela.
A maior vantagem que tenho observado quando viajo, e, principalmente, quando decido não visitar os pontos turísticos mais conhecidos de um determinado destino, é que posso experimentar uma "nova vida", uma "nova identidade" neste novo ambiente.
Desligados dos velhos padrões que trazemos do lugar no qual nascemos ou moramos, podemos expor nossa mente e corpo a uma experiência nova, revigorante e transformadora. Essa abertura que o ato de viajar proporciona, é como uma janela de oportunidade, na qual podemos refletir sobre a nossa própria vida a partir na observação do cotidiano de outra cultura.
Isso para mim, resume bem como entendo - o ato de viajar - mais especificamente, a viagem lenta. É como um chamado intrínseco da nossa espécie - aventurar-se, buscar a novidade, saciar a curiosidade por novos mundos, novos horizontes, novas sensações - e com isso, ampliar nosso auto-conhecimento.

Os Desafios de Viajar Sozinha
Há pelo menos seis anos tenho viajado sozinha. E não posso dizer que é cem por cento por opção, mas, ultimamente, devo dizer que faz diferença no quesito "liberdade total".
Traçar seu próprio itinerário, não se preocupar com horários, mudar o trajeto quando der vontade, visitar aquilo que realmente deseja são algumas vantagens. Além de poder, no meu caso, praticar um passeio mais contemplativo, individual e de auto-análise.
O lado ruim é não poder dividir os sentimentos do momento presente com alguém. Como já diziam os filósofos-poetas: "A beleza só existe para ser compartilhada!"
Às vezes, nos deparamos com algo tão extraordinário, que a vontade é mostrar para todo mundo; um tipo de excitação que nos impulsiona a querer dividir àquela experiência única. A solução? Bom, tirar uma foto pode ser uma delas. Do mais, é o presente que já não é mais; passou. Ficará registrado na memória; e poderá ser contado em uma outra oportunidade.
Um outro ponto negativo, que pode acontecer quando se viaja sozinha, é não encontrar uma acomodação segura ou minimamente confortável para hospedar-se. Isso pode ser uma dor de cabeça!
Na maior parte das vezes, conseguia encontrar boas hospedagens, mas, em muitas outras ocasiões, os espaços ora eram inabitáveis ora eram desafiadores, com cozinhas e banheiros sem condições de uso ou anfitriões temerosos, por exemplo.

Prova de Fogo: Xenofobia e Assédio
Uma "prova de fogo" que aconteceu nessa viagem - e que não me lembro de ter ocorrido outras vezes - foram episódios repetidos de xenofobia e assédio.
Como nunca havia passado por isso da maneira como aconteceu, senti que o encantamento que nutria por alguns lugares diminuiu bastante. Poderia dizer até, em certo sentido, que isso me traumatizou!
Tive que me impor diversas vezes, defendendo minha etnia e nacionalidade; protegendo meu corpo ou "educando" o outro sobre os direitos e deveres que todos os seres humanos possuem neste Planeta.
Esses episódios aconteceram mesmo eu tendo seguindo a "cartilha da segurança": escolhi lugares bem recomendados e pontuados em aplicativos de hospedagem; segui indicações de amigos que já estiveram no local; não dormi em lugares afastados de tudo; etc.
Felizmente, consegui ultrapassar essas "dificuldades", e continuar a jornada. Quando me senti insegura em determinado lugar, reclamei com o responsável do estabelecimento, e não me intimidei em chamar a polícia, caso fosse necessário. Cansativo? Pode apostar! Mas, aprendi que calar-se não é uma opção.
Minha recomendação como viajante mulher é - sempre procure ajuda: converse com alguém de confiança e explique a situação; tenha o número da polícia local e do consulado na sua agenda; compre um item de segurança, como, por exemplo, um apito de emergência.
Enfim, não aceite qualquer tipo de violência mesmo estando fora do seu país. Aprendizado número dois: segurança em primeiro lugar.

A Jornada Nunca Acaba
Apesar desses episódios negativos, abracei o último fio de esperança que nutria pela humanidade, e decidi continuar minha busca rumo ao horizonte perdido.
Em Portugal, pude caminhar pelos bairros mais antigos da capital do país - Mouraria e Alfama - berço do fado; contemplar o Atlântico pelos diversos miradouros; apreciar o raro silêncio sob o top de Castelos; mergulhar na vastidão verde de grandes parques nacionais; passear por vilas medievais, lugares bucólicos e pouco visitados.
Na Itália, revisitei regiões já conhecidas, como a Toscana, Marche e Lombardia, e descobri outras novas, como a Ligúria e a Puglia - muitas delas, tão estacionadas no tempo que a impressão é de se estar dentro das páginas de velhos manuscritos.
Lá, pude apreciar as belas vitrines e sebos de Turim, bem como seus parques magníficos; caminhar pelos becos e vielas históricas de Gênova; passar horas admirando as pequenas vilas presas aos penhascos da Ligúria; conhecer o azul mais belo do extremo sul da península, e, finalmente, ter o privilégio de ficar por algum tempo na cidade (para mim) mais linda de todas, Firenze.
Foram muitas paisagens espetaculares e inesquecíveis, muitas experiências desafiadoras, e um retorno não desejado.
P.S.: Assim é viajar; a jornada nunca termina!...
🐌 GUIA BÁSICO DO SLOW TRAVEL:
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