O Som Mais Ameaçado do Mundo
- Viajar Sem Pressa
- 1 de set. de 2024
- 6 min de leitura
Atualizado: 5 de nov. de 2024

Sempre me questionei sobre os motivos pelos quais somos tão ruidosos. Falamos alto, produzimos barulho intencionalmente, e consideramos isso "normal".
Raramente indagamos sobre as causas e as consequências para nossa saúde física e mental. Mas, por que esse tema não desperta tanto interesse?
Bem, uma das minhas hipóteses iniciais é que deixamos de nos preocupar com certos assuntos do cotidiano, entre eles, o respeito ao espaço do outro.
Pense, por exemplo, no celular. Recebemos de braços abertos todos os confortos dessa tecnologia, e simplesmente a desfrutamos.
Nos esquecemos o quanto podemos ser ruidosos e inconvenientes quando ligamos nossos aparelhos - sem colocar fones - em lugares públicos, fechados ou não.
Estamos tão imersos na "bolha de entretenimento" desses equipamentos, que perdemos a noção de que existe vida fora de uma tela. E pior, esquecemos de que fora dela, algumas pessoas estão tentando descansar ou simplesmente buscar um pouco de paz.
Outros ruídos desagradáveis como buzinar sem necessidade, aumentar o som do carro em volume ensurdecedor ou segurar o acelerador da moto para bater recordes de decibéis estão entre as primeiras posições no quesito "como causar poluição sonora sem motivo aparente".
Sem falar nas festas que tem inicío após às dez horas da noite, contrariando a própria lei de perturbação de sossego em horário e volume de decibéis.

De acordo com um estudo da Organização Mundial de Saúde (OMS), os efeitos da exposição a longo prazo à poluição sonora ambiental - incluem ataques cardíacos, aumento da pressão arterial, derrames, diabetes, demência e depressão, entre outras enfermidades - que podem ser responsáveis pela perda de milhões de anos de saúde plena entre os europeus ocidentais, por exemplo.
No Brasil, de acordo com a mesma OMS, ocupamos o quinto lugar no ranking dos países com o maior índice de poluição sonora.
Dados mostram que por volta de 65 a 70% do incômodo das pessoas estão associadas ao trânsito, ou seja, ao ruído rodoviário.
Aqui, a perturbação da qualidade ambiental através da poluição sonora é considerada crime, de acordo com a Lei das Contravenções Penais, Decreto-lei nº 3688/41, Art. 42.
Isso posto, cabe a pergunta: quantos de nós se lembra do som dos pássaros, do vento ou dos grilhos noturnos em uma noite de verão? Será que perdemos a noção do significado do silêncio?

Buscando entender um pouco mais sobre isso, deparei-me com a história de Gordon Hempton, um ativista incomum.
Gordon relata que durante um passeio deitou na grama e adormeceu, sem se preocupar com a chuva que começou a cair. Esse momento mudou sua vida, despertando nele um profundo fascínio pelos sons da natureza.
Durante um quarto de século, seu propósito foi capturar os sons que a maioria das pessoas negligencia.
Na palestra dada por ele em um evento TEDx Talks, Hempton revela o que os sons da natureza estão tentando nos dizer. E, também, avisa: "o silêncio está desaparecendo!"
Durante anos, o ecologista acústico e vencedor do Emmy, dedicou sua vida à documentação de paisagens sonoras naturais em todo o mundo.
Ele se preocupa especialmente em preservar o silêncio, que está ameaçado pela poluição sonora provocada pelo homem.
O aumento da população, do tráfego aéreo, da navegação e outros fatores humanos contribuem para o aumento dessa poluição.
Todo esse ruído afeta a saúde humana, causando diversos problemas. Além disso, prejudica a vida selvagem, pois ameaça a sobrevivência de várias espécies.
O silêncio não é apenas a ausência de som, mas sim a ausência da poluição sonora causada pelo homem.
O ativista chegou até a fundar a Quiet Parks International (QPI), uma organização que promove o "turismo silencioso" para inspirar as pessoas a apreciar as paisagens sonoras naturais.
A QPI certificou diversas áreas silenciosas em todo o mundo e está trabalhando para expandir sua influência.
Uma das metas da instituição é promover a conscientização sobre o silêncio e o incentivo a criação de mais destinos turísticos silenciosos e contemplativos.

Hempton lembra ainda que, a pandemia de COVID-19 resultou em uma redução significativa da poluição sonora em todo o mundo, levando as pessoas a redescobrirem a importância do silêncio e das paisagens sonoras naturais.
No momento em que, tantos estímulos visuais e sonoros nos atravessam o tempo todo, refletir sobre a ausência ou a dimunuição do ruído, pode ser algo importante a ser ponderado. Mas, essa tarefa não é indivudual, e sim coletiva.
Abaixo, segue o vídeo da organização Quiet Parks International, que promove "banhos de floresta" em alguns dos parques mais silenciosos do mundo.
"O silêncio é um recurso. E se não fizermos algo para protegê-lo agora, será muito mais difícil no futuro recuperar o que perdemos." (Matt Mikkelsen, secretário e diretor executivo do Wilderness Quiet Parks)
O Que São Os "Banhos de Floresta"?
O "banho de floresta", também conhecido como shinrin-yoku, é uma "terapia florestal" que envolve passar tempo em contato com a natureza para obter benefícios à saúde.
A técnica foi desenvolvida no Japão, em 1982, por iniciativa da Agência Florestal do governo japonês, e demonstrou diminuir o estresse, a pressão arterial e melhorar a concentração e a imunidade.
A prática consiste em caminhar lentamente, observar e se conectar com o ambiente natural, permitindo uma imersão completa dos sentidos.
Essa experiência promove uma sensação de calma duradoura, ajudando a lidar com o estresse e a agitação do cotidiano.
Para praticar o Shinrin-yoku, podemos seguir as seguintes etapas:
1. Escolha uma floresta ou área natural: Busque por uma área com vegetação densa, árvores, trilhas e uma atmosfera tranquila. Pode ser um parque, reserva natural ou floresta próxima.
2. Desconecte-se de dispositivos eletrônicos: Antes de entrar na floresta, desligue ou coloque no modo silencioso seus dispositivos eletrônicos, como smartphones, para evitar distrações e se concentrar no ambiente natural.
3. Caminhe lentamente e conscientemente: Comece caminhando pela floresta em um ritmo lento e tranquilo. Preste atenção aos seus passos, respire profundamente e esteja presente no momento.
4. Use todos os seus sentidos: Esteja consciente dos sons, cheiros e texturas ao seu redor. Ouça o canto dos pássaros, sinta o cheiro das plantas e toque nas árvores ou folhas. Permita-se mergulhar plenamente na experiência sensorial da floresta.
5. Encontre um lugar para se sentar e relaxar: Ao encontrar um local que lhe traga tranquilidade, sente-se e desfrute do ambiente. Observe os detalhes ao seu redor e permita-se descansar e relaxar.
6. Pratique a meditação ou mindfulness: Utilize técnicas de meditação ou mindfulness (atenção plena) para aprofundar sua conexão com a natureza. Concentre-se em sua respiração, observe seus pensamentos e deixe-os passar.
7. Interaja com o ambiente: Se sentir vontade, interaja com o ambiente natural. Aproximar-se de uma árvore, tocar na água de um riacho ou simplesmente se envolver com os elementos da natureza pode ser uma experiência tranquilizadora.
8. Permaneça o tempo que precisar: Não há um limite de tempo específico para o banho de floresta. Fique o quanto quiser e permita que a natureza lhe envolva e revitalize.
Conectar-se com a natureza é uma das maneiras de recuperarmos o valor do silêncio no cotidiano, bem como, uma oportunidade de nutrir nossa mente e corpo.
Se não entendermos que os ruídos revelam sintomas de um mundo enfermo, não seremos capazes de encontrar soluções para curá-lo; pois, é no silêncio que as respostas encontram brechas para desabrocharem.
📝 PRINCIPAIS REFERÊNCIAS DO POST*:
Global Oneness Project | Quiet Parks International | BBC Travel | TEDx | Organização Mundial de Saúde - OMS | Unep.org
INAD Brasil (International Noise Awareness Day)
Prochnik, George (2011). In Pursuit of Silence: Listening for Meaning in a World of Noise. Ed: Paperback
Documentários: Vanishing Dawn Chorus (1992) | Sanctuaries Of Silence (2017)
🐌 GUIA BÁSICO DO SLOW TRAVEL:
*Nota: Este post é um editorial.
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