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Como Viajar Lento Pode Transformar Você em um Filósofo?

Atualizado: 5 de nov. de 2024


Vieux-Port, Montreal, Canadá

Ando, Logo Penso


Segundo o escritor e andarilho Frédéric Gros, autor de Caminhar, uma Filosofia, uma vez em pé, nós humanos, não conseguimos ficar parados.


Caminhar é uma habilidade que tem permitido ao homem percorrer grandes distâncias há muito tempo, mesmo antes do surgimento do Homo sapiens.


O simples ato de colocar um pé na frente do outro nos levou a muitos lugares - tanto físicos quanto psíquicos.


A arte milenar de caminhar tem sido objeto de investigação filosófica há séculos, e vários conceitos relacionados ao ato foram explorados em diferentes tradições filosóficas.


No Ocidente, por exemplo, pensadores como Søren Kierkegaard - filósofo dinamarques do século XIX, considerado o pai do Existencialismo - descreveu a ideia de caminhar como uma forma de meditação, que permitia ao indivíduo contemplar as grandes questões da vida, conectando-se com o momento presente.


Kierkegaard disse em Carta a Jette, de 1847:


"Acima de tudo, não perca a vontade de andar. Todos os dias me encontro num estado de bem-estar e afasto-me de todas as doenças; caminhando, entrei em melhores pensamentos, e não conheço nenhum pensamento tão pesado que alguém não possa caminhar para longe dele".

O poeta e teólogo foi fortemente influenciado pela religião cristã, e defendia o ato de caminhar como parte de uma vida espiritual que ajudava as pessoas a se aproximarem de Deus.


Em uma das suas principais obras - The Art of Walking de 1843 - o crítico enfatizava que caminhar era mais do que simplesmente um movimento físico; era um processo contínuo de busca espiritual, assim como a própria vida.


La Grande Roue, Montreal

Caminhar é uma Ferramenta Poderosa


Outro pensador que reafirmava as caminhadas como uma ferramenta de contemplação da existência foi Martin Heidegger, um dos mais importantes filósofos do séc. XX.


O escritor e professor alemão, acreditava que caminhar era uma parte essencial da nossa existência, pois nos permitia estar totalmente presentes no mundo, conectando-nos de forma significativa com o que nos cerca.


Friedrich Nietzsche - grande filósofo do século XIX e um andarilho assumido - acreditava que caminhar era uma parte essencial da investigação filosófica, pois permitia ao indivíduo afastar-se das restrições da sociedade, dando-lhe tempo para pensar livremente.


Além disso, Nietzsche via o caminhar como uma forma de filosofia ambulante, uma prática filosófica que permitia ao indivíduo contemplar questões existenciais e explorar a natureza da realidade.

Ele acreditava que este simples ato, tinha um efeito libertador sobre a mente e o corpo, o que possibilitava a pessoa livrar-se de preconceitos e expectativas sociais.


Em Assim Falou Zaratustra de 1886, Nietzsche escreveu que"um pensador precisa ter duas coisas: tempo e espaço livres para suas caminhadas".


Place Jacques-Cartier, Old Montreal.

Henry David Thoreau, escritor e filósofo americano, autor do clássico "Walden ou a vida nos bosques" de 1854, tinha uma relação profunda com a caminhada como forma de explorar e conhecer a natureza.


O assunto lhe era tão caro que, em 1851 escreve o primeiro tratado filosófico sobre a caminhada: "Walking", na qual descreve o ato de caminhar como uma maneira de sair da vida urbana e artificial, e se conectar com a simplicidade e a beleza da natureza.


Thoreau era um praticante apaixonado por passeios longos de imersão, afirmando inúmeras vezes que esse era o melhor jeito de encontrar paz e inspiração para a vida.


Assim disse o poeta andarilho em Walking (1851):


"Andar leva à meditação. Ou talvez se devesse dizer que só aqueles de espírito filosófico andam, verdadeiramente, receptivos à beleza que está por toda parte na natureza não poluída pelo homem."

Além disso, defendia a importância de se ter uma relação íntima e consciente com a cidade e o espaço urbano - e uma maneira de se conseguir isso - era conhecendo o lugar caminhando.


Outro autor, que também tratou da relação do homem com a cidade, foi Henri Lefebvre - filósofo e sociólogo francês falecido nos anos 1990.


O conceito de Direito à Cidade - propopunha que caminhar era um ato político, pois permitia aos indivíduos reivindicar seu direito à cidade e afirmar sua presença em espaços públicos.


Ambos os autores argumentavam que as pessoas precisavam ter um papel ativo na criação e gestão de suas cidades, e que a caminhada era uma maneira importante de estabelecer essa conexão.



Você é um Flanador?


Saindo um pouco (mais nem tanto) do campo filosófico e entrando na literatura, temos a figura de Charles Baudelaire (1821-1867), poeta, crítico de arte e escritor francês.


Em 1857, ele publicou um livro chamado Les Fleurs du Mal (As Flores do Mal), um marco da poesia francesa que aborda temas como a beleza, a decadência, a religião, a política, a moral e a sociedade da França do século XIX.


Foi nesta obra que Charles Baudelaire cunhou pela primeira vez o termo flâneur - descrito por ele como uma forma de resistência à sociedade e compreensão da cidade.


O termo, derivado da língua francesa, significa passeador ou viajante, e descreve o ato de flanar como - uma forma solitária de caminhar sem rumo - apenas com o intuito de explorar e apreciar a cidade.

Segundo Baudelaire, ser um flanador é ser um amante da vida urbana, interessado em descobrir os segredos e as surpresas que o lugar tem a oferecer.


Além disso, é ter uma atitude de curiosidade, introspecção e atenção às suas sensações e impressões ao caminhar pelas ruas e espaços urbanos.


O poeta nos mostra, como o flanar pode ser uma forma de compreensão do ambiente, e uma oportunidade para explorar e apreciar sua diversidade com calma.


Neste sentido, a ideia de Baudelaire - de passear mais atento, observando cada detalhe e sensação do ambiente ao redor - reflete muitas das características do Slow Travel, entre elas, desfrutar cada acontecimento ao longo da jornada.


Podemos dizer, portanto, que a Viagem Lenta - embasados não só em conceitos filosóficos, mas também na literatura - é uma forma de explorar e apreciar o mundo de forma poética.


Isto porque, na poesia, expressamos nossa subjetividade, revelando pensamentos, sentimentos e estado de espírito.


Montreal's Chinatown

Transformar-se é um Processo (Lento)


Viajar lentamente pode ser uma jornada transformadora. Mas será que ela pode levar uma pessoa a tornar-se um filósofo?


Bem, vejamos: ao observar e experimentar novos lugares e culturas, o viajente pode desenvolver um novo senso de perspectiva e compreensão do mundo.


Embora não seja, obviamente, a única maneira de se tornar um filósofo, viajar lento pode nos fornecer um conjunto de novas experiências e informações, que ajudam no processo de autoreflexão e desenvolvimento de novos pontos de vista, servindo, portanto, como um catalisador para o pensamento filosófico.


A experiência de caminhar e explorar lugares a um ritmo mais tranquilo pode ajudar a dissolver as barreiras do pensamento convencional e permitir uma reflexão mais profunda sobre o significado da vida, o propósito da existência e as relações com o ambiente ao nosso redor.


Desta forma, o Slow Travel pode ser uma ferramenta valiosa para aqueles procurando aprimorar sua compreensão do mundo e de si mesmos, tornando-se filósofos de suas próprias viagens.

Quando caminhamos devagar, temos tempo para refletir e conhecer nosso entorno, o que ajuda-nos a quebrar as barreiras de pensamentos cotidianos.


Além disso, facilita no aprofundamento de questões existenciais como o propósito de vida e as relações com o planeta.


Praticar algum tipo de atividade reflexiva - viagem lenta ou passeio contemplativo - é importante para esse processo de autoanálise.


Neste sentido, podemos afirmar de certo modo que - o Slow Travel nos torna filósofos de nossas próprias vidas - na medida em que oferece algumas ferramentas para refletirmos melhor sobre tudo.


P.S.: "Solvitur ambulando": (tudo) é resolvido ao caminhar.



📝 PRINCIPAIS REFERÊNCIAS DO POST*:

A arte de caminhar: o escritor como caminhante. Merlin Coverley (2015)

A arte da quietude: aventuras rumo a lugar nenhum. Pico Iyer (2015)

Assim falou Zaratrusta. Friedrich Nietzsche (1999)

Andar a pé: um ritual interior de sabedoria e liberdade. Henry David Thoreau (2021)

Caminhar, uma filosofia. Frédéric Gros (2009)



🐌 GUIA BÁSICO DO SLOW TRAVEL:


*Nota: Este post é um editorial.

*Artigo © 2021–2024 Viajar Sem Pressa. Todos os direitos reservados.

 

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