A Arte da Contemplação no Slow Travel
- Fernanda Paula
- 10 de ago. de 2023
- 7 min de leitura
Atualizado: 5 de nov. de 2024

Contemplar: refletir profundamente sobre algo, considerando-o com cuidado e atenção. Esse talvez seja o verbo mais citado no decorrer das diversas postagens que fiz aqui e no Instagram. Mas, por quê?
Bem, uma das razões é que ao longo dos anos, como viajante, esse modo de observar o entorno tornou-se um hábito quase automático que surge quando sou exposta aos estímulos em um novo lugar.
Muitos de nós vivemos imersos em ambientes rotineiros, ruidosos e nem sempre agradáveis por dias, meses e anos. Quando temos a oportunidade de sair deles, mesmo que por alguns instantes, podemos romper a bolha e deixar que o novo entre.
A rotina é essa bolha invisível que nos protege e nos oferece certa segurança - o que é importante - mas também pode impedir a renovação do ar, a entrada de luz e a clareza dos pensamentos.
Conseguir furá-la, vez ou outra - mesmo que apenas mentalmente - é um exercício que exige certo esforço. E uma das maneiras de fazer isso é praticando o olhar contemplativo.
No post sobre "Como praticar o passeio contemplativo", explico o que é e listo algumas sugestões iniciais de como exercítá-lo.
Considero valioso examinar o tema da contemplação para descobrirmos novas maneiras de desacelerar nossas viagens.

A Arte da Contemplação
O ato de contemplar tem raízes em práticas filosóficas e espirituais antigas, que buscam a transcendência e a compreensão do mundo; além do aprimoramento pessoal e o desenvolvimento da consciência.
Ademais, é um processo de observação, reflexão e apreciação da beleza e da harmonia do ambiente ao nosso redor - seja da natureza, da arte, da música ou de outros elementos da vida cotidiana.
Ao longo dos séculos, diversas tradições adotaram a contemplação como uma prática fundamental.
No budismo, por exemplo, ela é uma ferramenta usada em conjunto com a meditação, na intensão de alcançar um estado de tranquilidade mental e insight espiritual.
Em geral, a prática envolve mergulhar na natureza da mente e da realidade, sentando em silêncio, direcionando a atenção para a respiração, para o corpo ou para objetos específicos.
Os exercícios budistas de observação dos pensamentos, das emoções e dos fenômenos externos com discernimento, podem desenvolver, portanto, uma visão mais clara e uma compreensão mais profunda da natureza da realidade.
Praticá-los é um processo lento e exige dedicação do aspirante, por isso, conhecer as diversas escolas e técnicas, podem ajudar àqueles que almejam experimentar essa forma de contemplação.

Outra técnica que foca na "observação profunda" é o mindfulness - também conhecida como atenção plena.
Tendo suas raízes nas tradições budistas e hindus, o mindfulness foi adaptado ao Ocidente de forma significativa nas últimas décadas, especialmente a partir do final do século XX.
Essa adaptação permitiu que esse "treinamento da mente" ganhasse reconhecimento e aceitação, sendo utilizado como uma ferramenta terapêutica eficaz para melhorar a saúde mental e o bem-estar geral.
A principal figura responsável por trazer o mindfulness ao Ocidente foi Jon Kabat-Zinn, um professor de medicina que fundou a Clínica de Redução do Estresse no Centro Médico da Universidade de Massachusetts (EUA).
Na década de 1970, Kabat-Zinn desenvolveu o Programa de Redução de Estresse Baseado em Mindfulness (MBSR), uma abordagem que incorporou elementos do budismo para ajudar pessoas com problemas de saúde física e mental.
A adequação da técnica de atenção plena envolveu alguns ajustes para torná-la mais acessível e relevante para a cultura e valores ocidentais.
Uma das principais mudanças foi a secularização da prática, removendo as referências religiosas e apresentando-a como uma abordagem científica e psicológica.
Existem diversas técnicas para começar o treinamento da atenção plena, sendo, recomendado iniciar com práticas mais breves, de um a cinco minutos por dia, aumentando gradualmente a duração dos exercícios à medida que se observa os benefícios.
Um exemplo de exercício é a "prática de 3 passos de mindfulness", que consiste em fazer uma pequena pausa de consciência em nossa rotina diária - com duração de aproximadamente três minutos - e que pode ser realizada várias vezes por dia:
1. Começa com a adoção de uma posição confortável, prestando atenção às sensações físicas e à percepção de pensamentos e emoções presentes no momento;
2. Em seguida, concentra-se gradualmente nas sensações e movimentos da respiração, como os movimentos do tórax e do abdome ou a sensação do ar entrando e saindo pelas narinas, observando o fluxo natural da respiração;
3. Finalmente, a atenção volta para as sensações em todo o corpo e a percepção do ambiente, incluindo os sons e a temperatura, antes de encerrar a prática.
Em resumo, podemos dizer que o mindfulness é uma "musculação da atenção", que busca desenvolver e cultivar a atenção plena.
Quando aprimoramos esta capacidade de estar mais presente no "aqui-e-agora", observamos com mais clareza tudo que está a nossa volta.

Assim como no mindfulness, a contemplação no estoicismo grego também envolvia uma atitude de observação imparcial, permitindo uma maior compreensão das situações cotidianas e uma resposta mais sábia e calma diante dos desafios da vida.
Epicteto, filósofo estoico do século I d.C., considerava a contemplação não apenas como uma prática, mas um caminho para alcançar a serenidade interior e a sabedoria.
Sua abordagem oferecia insights valiosos - relevantes até os dias de hoje - sobre como podemos encontrar paz em meio às adversidades.
Uma das principais características da visão de Epicteto sobre o ato de contemplar é sua ênfase em voltar-se para dentro de si mesmo.
Ele acreditava que o verdadeiro "poder de transformação" reside em nossa mente e que podemos cultivar a tranquilidade interior, independentemente das circunstâncias externas.
A contemplação, para o filósofo, é um convite para observar cuidadosamente nossos próprios pensamentos, emoções e reações, reconhecendo que somos responsáveis por como nos sentimos e como interpretamos o mundo ao nosso redor.
A importância dessa observação profunda, de acordo com Epicteto, reside na capacidade de encontrar a verdadeira liberdade interior.
Ao nos envolvermos em um processo reflexivo, somos capazes de identificar e questionar nossas crenças limitantes, desapegando-nos de desejos e expectativas externas.
A contemplação nos permite, portanto, reconhecer o que está sob nosso controle e o que está além dele, encontrando uma serenidade que vem de dentro e não depende de circunstâncias externas.
Grosso modo, o processo contemplativo do filósofo consiste em um exercício racional, no qual, a indagação é a ferramenta de compreenção dos fenômenos da vida.

O Turismo de Contemplação
No campo do turismo, a contemplação tem sido cada vez mais valorizada como uma abordagem alternativa ao turismo convencional, que muitas vezes se concentra apenas em visitar pontos turísticos e acumular momentos frívolos.
Esse tipo de turismo mais imersivo, busca oferecer aos viajantes a oportunidade de se conectar com a natureza e a cultura do lugar de uma maneira mais profunda e significativa.
Além disso, convida-nos a experimentar momentos de relaxamento, tranquilidade e pausa - aspectos valiosos da vida - e que são, muitas vezes, subestimados ou desvalorizados.
O Slow Travel, como uma forma de turismo centrada na contemplação, oferece oportunidades valiosas para vivenciar a riqueza cultural e natural de um destino.
Durante uma viagem, podemos praticá-la de maneiras concretas, como desfrutar de caminhadas serenas pela natureza, explorar locais históricos com calma e curiosidade, fazer pausas regulares para absorver o ambiente ao nosso redor ou hospedar-se em lugares que promovam uma conexão com a essência do local.
Além disso, podemos buscar retiros ou práticas meditativas que permitam uma imersão mais profunda, enriquecendo nosso passeio com experiências transformadoras.
A Viagem Lenta, dessa forma, nos convida a apreciar cada momento da jornada de forma mais significativa e prazerosa.

Outras maneiras de praticar a contemplação durante uma viagem são:
1. Meditar: Encontre um local tranquilo, concentre-se na respiração e tente focar sua atenção no momento presente;
2. Observar a natureza: Pare para absorver uma paisagem natural, prestando atenção a cada detalhe e sensação que ela evoca;
3. Apreciar obras de arte: Dedique tempo para contemplar e refletir sobre uma obra de arte, seja em uma galeria ou museu;
4. Fazer uma pausa para ler ou escrever: Escolha um banco para ler um livro preferido, ou anote reflexões e pensamentos durante a contemplação;
5. Observar objetos: Escolha um objeto simples, como uma flor ou uma pedra, e dedique alguns minutos para observá-lo, focando nas sensações que ele traz;
6. Contemplar o silêncio: Encontre um lugar tranquilo e deixe a mente se concentrar no silêncio e nas sensações corporais.
Essas práticas são apenas um ponto de partida. O objetivo, portanto, é encontrar o que melhor funciona para cada um de nós.
A contemplação é uma jornada pessoal e individual, e a chave é encontrar a abordagem que mais ressoa com você.
Acredito que experimentar o Turismo de Contemplação e incorporar algumas dessas atividades, podem proporcionar viagens mais enriquecedoras e satisfatórias.
📝 PRINCIPAIS REFERÊNCIAS DO POST*:
Dhamma.org | Blog Viajar Sem Pressa | Mindfulness Brasil | Wikipedia
🐌 GUIA BÁSICO DO SLOW TRAVEL:
*Nota: Este post é um editorial.
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